Um milhão de novas palavras: Corinthiana

📸 Klaudia Alvarez

Em 2017, eu trabalhava em um curso de Inglês e voltava pra casa bem tarde, perto das 23h e usava o metrô. Comecei a observar que todas as noites tinha um cachorro prêto e branco dormindo, tranquilo em um cantinho da estação, logo depois do guichê de compra e venda dos tickets (foto acima).

A primeira vez que o vi fiquei pensando que provavelmente nenhum funcionário do metrô o tivesse notado, mas logo que a estação encerrasse suas atividades, ele seria tirado dali. A semana passou e todos os dias a cena se repetia. Era batata. Eu passava e já procurava com o olhar a figura enroscadinha, dormindo no piso emborrachado, sempre no mesmo cantinho. Com a curiosidade que me é peculiar, eu estava doida pra descobrir mais sobre aquela figurinha e um dia quando passei, tinha uma funcionária da limpeza varrendo o chão e não resisti e fui perguntar sobre o cachorro, já que ela parecia nem se importar com a presença do bichinho ali tão perto, assim como os dois seguranças com seus uniformes escuros e seus físicos avantajados que também marcavam presença por ali, também se mostrando confortáveis com a presença do cachorro. E a resposta que recebi da moça foi algo que realmente eu não esperava: ah, é uma fêmea. Ela dorme sempre aqui. Vem toda noite e se deita ali. Já tem anos que faz isso. Nunca fez nenhuma sujeira aqui. Chega, dorme e logo que abrimos, bem cedo, ela vai embora, do mesmo jeito que vem à noite. Então vocês a deixam aqui ?, eu perguntei. E a funcionária disse que sim. Eu fui pra casa naquele dia agradecendo mentalmente a bondade do responsável por aquela estação que, com certeza, autorizou o procedimento. Daquele dia em diante passei a sempre olhar a cachorrinha e ir pra casa feliz, sabendo que ela tinha um cantinho seguro e protegido pra dormir. Pensei também que o assunto daria uma bela reportagem, mas ao mesmo tempo achei que não. Isso poderia chamar a atenção de alguma autoridade que não aprovasse o procedimento e a cachorrinha ficaria sem seu abrigo noturno de tantos anos.

Um dia, de tarde, me encaminhando pra estação, vi um rapaz, em situação de rua, sentado em um canto da calçada e ao seu lado, sentada, a mesma cachorrinha. Ah, deve ser ele o tutor dela, foi o que pensei. Talvez ele se recolha a algum abrigo à noite e como os animais não são permitidos, ela deve ter achado o jeito dela de se abrigar e encontrar o seu tutor de novo no dia seguinte. Daquele dia em diante, passei a sempre tentar ver a cachorrinha, durante o dia. Uma vez, em dia de feira, a vi carregando uma fruta na boca. Não sei se era pra ela mesma ou se levava para presentear seu tutor. Um outro dia eu saía da estação, no final da tarde e começou uma chuva repentina. Enquanto eu me apressava pra abrir meu guarda chuva, e me dirigir pra saída, cruzei com a bichinha descendo a rampa do metrô, à procura do seu refúgio.

Uma vez, perguntei a um dos vendedores ambulantes que sempre fazia ponto ali na entrada do metrô, sobre a cachorrinha e ele me disse que todos a conheciam e que o nome dela era Corinthiana. Pronto, a minha curiosidade de repórter já tinha até conseguido descobrir o nome da figurinha.

O tempo passou e eu sempre vendo a Corinthiana e seu tutor ali naquele cantinho, perto da Igreja. Às vezes ele brincava com ela, ou ela deitava na ponta do cobertor simples com que ele se cobria nos dias mais frios. Como eu deixei de trabalhar à noite, já não passava diariamente pela estação, mas quando eventualmente eu voltava de shows e usava o metrô, lá estava a Corinthiana dormindo. Isso aconteceu nos anos de 2017 e 2018.

Em algum momento do ano passado, 2019, eu não vi mais a Corinthiana. Nem no seu cantinho, nem durante o dia. Cheguei a ver o tutor dela com um outro cachorro, de cor caramelo. E mais um tempo depois o rapaz também sumiu de onde sempre ficava, sentado no chão, pedindo aos passantes. Nunca mais vi nenhum dos dois. Aí veio a pandemia e faz 6 meses que não uso o metrô. Eu não procurei saber de ninguém se sabia o que tinha acontecido com a Corinthiana ou seu tutor. Preferi ficar sem saber. Vai que eu não ia gostar da notícia. Melhor ignorar. E só porque ela não usa mais seu abrigo que resolvi contar essa história. Torço pra que onde quer que ela esteja, que tenha um lugar seguro e quentinho pra ela se abrigar, como tão gentilmente lhe foi oferecido, por anos, por alguma pessoa de alma boa e responsável pela administração de uma estação de metrô de São Paulo.

(Texto de Klaudia Alvarez)

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