Margens e Clareiras

Os Antissociais

Antissociais. Era assim que a gente era chamado.

Quando reclamávamos do tio tirando sarro do parente gay ou da vizinha lésbica. Do primo que ria pelas costas da diarista obesa. Do colega de classe que caçoava da idade do professor grisalho. Dos colegas da rua que atiravam pedras em gato e passarinho. Essa gente que quebrava janelas por brincadeira e, por qualquer outra coisa, já queria partir para a briga. Aquela gente violenta e raivosa, babenta e sem controle, eram eles que nos chamavam de antissociais.

“Você é estranho, parece que tá sempre de mal com o mundo.”

Crescemos ouvindo que éramos ovelhas negras, seres radicalmente diferentes da maioria. Seres estranhos, que não se encaixavam. Que gostavam de ler e ouvir música nacional. De ver filme. De discutir política. Mas o que antes era visto como algo ruim, hoje sabemos que era a essência mais natural do ser humano: a de querer melhorar e evoluir. A de querer que a sociedade se torne um lugar melhor para todos. A essência de quem quer avançar.

Quantas noites não nos culpamos por não nos encaixarmos? Por odiar o tio homofóbico? Por não querer estar com a família? Por não suportar as pessoas daquele emprego? Por estarmos prestes a explodir. Culpa e mais culpa por não sermos horríveis como eles.

Não, não somos iguais aos nossos tios, primos, chefes e vizinhos. Não compactuamos com piadas e brincadeiras que são crimes. Temos o desejo de aprender e, dia a dia, tentarmos mudar. Não queremos mais essas ofensas que dividem e separam. Que constroem castas sociais, peneirando quem presta e deve ser exaltado de quem não presta e, por isso, deve ser cuspido e transformado em foco de violência ou de piada.

Com abuso, risos e porrada: era assim que eles nos tratavam.

Ovelha negra? Sim, com muito orgulho. Queremos aprender, queremos deixar de ser essas máquinas frias que o capitalismo exige que sejamos. Queremos entender como podemos melhorar. Queremos abandonar vícios e modelos, tradições e bolas de ferro presas aos nossos pés. Queremos — porque sabemos que podemos — voar. Quem é essa gente para vir nos julgar? Eles é que são todos iguais. Pessimamente iguais.

Homens, supostamente heterossexuais, brancos, com certa tranquilidade financeira e uma vontade imensa de voltar no tempo. De regredir. Querem voltar ao tempo em que quem era diferente não podia sonhar. Em que quem não era como eles não podia viver.

Ora, antissocial é quem prega a morte. A tortura. A miséria. A fome. É quem não quer repartir ou compartilhar. É quem não quer ver sorrisos e alegrias. É quem não acredita em sonhos. É quem reclama daqueles que dançam, cantam e fazem festa. Gente que sai do controle quando dá de cara com a felicidade do outro. Antissocial é o ressentido mergulhado em ódio diante da própria covardia de não conseguir ser quem é ou da própria ignorância de não entender a natureza e o mundo.

Antissociais são eles, que são contra a vida em sociedade. Contra o respeito à diversidade e ao diferente.

Ainda bem que eu era chamado de antissocial por aqueles que hoje destroem o nosso país. Jamais, jamais gostaria de ser colocado ao lado deles. Não estive, não estou e nunca estarei. Podem me esquecer.

Na vida, há os que param e ficam para trás. E há os que estão sempre em movimento. O segundo grupo seguirá cada vez avançando mais, enquanto, ainda bem, aqueles que nos chamavam de antissociais seguirão estancados em raiva e violência. Bem distantes, lá longe, de onde o som dos gritos e mugidos já nem nos chega mais.

Abra os olhos. E entenda qual dos dois grupos você quer por perto. De qual dos dois grupos você faz parte. Quais artistas, esportistas, políticos e profissionais você vai acompanhar. Nos silenciaram por tempo demais. Agora, nenhuma bolsonarada será capaz de nos calar de novo. Nenhum fascista irá nos impedir de avançar.

A gente vem avisando: o novo sempre vem. E esse caos e convulsão é porque ele já está entre nós.

“Você é estranho, parece que tá sempre de mal com o mundo.” Talvez. Talvez porque o mundo sempre esteve de mal de gente como nós.

(Daguito Rodrigues)

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