Margens e Clareiras: 2021

2021

Esse hoje corre lento, como quem não sabe as horas, como quem já não sabe para onde ir. Esse hoje não tem destino e agora nos parece eterno. Insuportavelmente igual. Estamos presos num agora. E os segundos são como minutos, como horas, como tardes e dias inteiros, como meses que se repetem, como anos iguais. Abro armários, abro portas, abro caixas. E aqui estamos nós, trancados em quartos e salas, fechados em nós mesmos. Não durmo bem há anos. O que ficará desse tempo vazio, desse hoje que não é dia, desse hoje que não é ontem e que em nada lembrará o amanhã? Seguimos em frente sem sair do lugar, sem planos, sem sonhos, porque sem desejo não se planeja um novo passo, não se age nem se movimenta. Quem sabe o que está por vir? Não se pode dizer por onde ir, nem aonde queremos chegar. Quem poderá? Esse hoje tem pressa. É março, é junho, é dezembro, é março de novo e junho vem aí. Em que ano paramos? Escancaro a janela, vejo nuvens, o céu está limpo, tudo escureceu, como ontem. Tempestade. Hoje tudo se parece como antes, tudo lembra um tempo que ainda é. Semanas passam e se repetem, sábados voltam e atormentam meu calendário. Noto esse rosto, esses cabelos que nunca foram meus. Foi o tempo que levou uma vida que jamais foi minha, foi uma história que carregou meu corpo e me devolveu um alguém que eu nem sei quem é. Já não sou aquele, nem quero ser quem fui, o mundo já não é o mesmo, o mundo ainda é igual, as pessoas agora são outras, são as mesmas de sempre, e nossas vidas não existem mais — são outras também. Parecemos todos iguais. Será que um dia viveremos de verdade? Deixo livros pela casa, abro novos, compro outros, espalho obras que me fazem companhia e que me lembram do que já foi. E me sinto melhor assim, mais experiente, mais feliz sem saber o que vem depois de agora. Porque, em tempos como esse, quem é capaz de pensar hoje o dia de amanhã?

(Daguito Rodrigues)