Lanterna Mágica: O Barato de Iacanga

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Assisti, finalmente, a “O Barato de Iacanga”, de Thiago Mattar, que chegou há pouco na Netflix. O filme recicla a saga do Festival de Águas Claras em suas quatro edições, realizadas em 1975, 1981, 1983 e 1984. Um Woodstock brasileiro no interior paulista, comandado pelo produtor Claudio Prado e o engenheiro de som Pena Schmidt, entre outros.

Em vez de Jimi, Janis e Joan Baez, um elenco brasileiro entre o estelar e o radicalmente alternativo: Alceu, Gil, Luiz Gonzaga, Hermeto, Egberto, Raul, Mautner, Mutantes, A Cor do Som, Novos Baianos, Sandra de Sá, Walter Franco, Macalé, Moto Perpétuo, Apokalypsis. E a inacreditável apresentação de João Gilberto para uma reverente plateia de, especula-se, até 100 mil pessoas.

O evento incomodou a ditadura. O ministro da Justiça, Armando Falcão, expediu um ofício alertando para a presença de “ideias subversivas”, que veiculavam propagandas com frases como: viva a juventude socialista, viva Che Guevara, viva a liberdade estudantil. É claro que os organizadores foram parar no Dops.

Mas foi a ganância do grande capital, mais do que  a repressão, que botou por terra o sonho de Iacanga. Com o patrocínio de uma cervejaria, na última edição do festival, o idealismo hippie foi substituído pelo entretenimento rentável e o que parecia  uma perspectiva inesgotável de riqueza  tornou-se um pesadelo caótico de chuva, lama, ventos impiedosos e garrafas atiradas sobre o palco. O panorama se transformara. A ditadura agonizava e uma nova geração de rockers, new wavers, metaleiros, pós punks e grandes empresários davam um pé na bunda do desbunde. Big business.

“We are the champions, my friend”, decretava, um ano depois, o intrépido Freddie Mercury para centenas de milhares de jovens ouvidos – os meus, inclusive – no primeiro Rock in Rio. “A nossa juventude  não é a do Rock in Rio”, bradava o governador Brizola, enquanto Sarney tomava posse, em Brasília, do cargo que Tancredo jamais assumiria. Ou como disse o conservador Luiz Gonzaga diante do barato de Iacanga: “Essa é a tal sociedade alternativa? Até eu já estou me alternando.”

(Texto de Julio Moura, que autorizou a publicação aqui em nossa coluna).

Nota de FCEF: A TV Bandeirantes, na época, transmitia o Festival de Águas Claras. Nem todos os quatro eventos foram televisionados, mas alguns sim.

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