
“A loucura da paixão de Omar, suas atitudes desmesuradas contra tudo e todos neste mundo não foram menos danosas do que os projetos de Yaqub: o perigo e a sordidez de sua ambição calculada. Meus sentimentos de perda pertencem aos mortos. Halim, minha mãe. Hoje, penso: sou e não sou filho de Yaqub, e talvez ele tenha compartilhado comigo essa dúvida. O que Halim havia desejado com tanto ardor, os dois irmãos realizaram: nenhum teve filhos. Alguns dos nossos desejos só se cumprem no outro, os pesadelos pertencem a nós mesmos”
Esse é um trecho do romance “Dois Irmãos”, do escritor amazonense Milton Hatoum. Suas obras retratam, por meio da memória dos seus personagens, um mundo de desencontros, em que a existência mostra-se em sua visceralidade. Embora nos quatro primeiros romances – “Relato de um certo oriente”, “Dois irmãos”, “Órfãos do Eldorado” e “Cinzas do Norte” – seu microcosmo seja Manaus, sua escrita aponta para o universal, pois sua terra figura apenas como ponto de partida para os espaços subjetivos da memória. Seu último romance – “A noite da espera” – é o primeiro de uma trilogia que se reporta à ditadura de 1964 e o exílio espacial e existencial de seus personagens. Milton Hatoum é herdeiro do estilo enxuto de Machado de Assis e Graciliano Ramos e é, sem dúvida, o melhor escritor contemporâneo.
(Texto de Aila Sampaio)