Lanterna mágica: Todos em um

TODOS EM UM

Os musicais hollywoodianos fazem parte do gênero mais icônico do cinema norte-americano, ao lado do western.

A década de 50 foi a mais significativa para determinar o modelo e espécie de um cinema que unisse, digamos, o agradável ao útil – o entretenimento ao lucro. Naquela década ainda quando o mundo, ou mais precisamente a Europa, se recuperava dos escombros da Guerra, Hollywood exportava filmes com essas intenções de alegria e bilheteria.
“Cantando na Chuva” (Singin’ in the rain), de Stanley Donnen e Gene Kelly, de 1952, tornou-se um clássico do gênero, reunia em um só filme todos os aspectos, traços e características dos musicais realizados nas décadas anteriores. A narrativa, como estrutura e técnica, conduz com perfeição as qualidades dramáticas através do canto e da dança. A música entra no diálogo como expressão anímica dos personagens, assim como a coreografia exterioriza o imaterial de cada um.
Música e movimento interligam os elementos humanos, e propõem algum tipo de reflexão através do enlevo, do entusiasmo, do divertimento.

“La La Land – Cantando estações” (La La Land), de Damien Chazelle, 2016, faz uma sincera homenagem ao estilo, através de um caleidoscópio de referências de conhecidos musicais. Projeta em um espelho contemporâneo o que Donnen e Kelly fizeram como alusivo e próspero na década de 50. As citações expõem um mosaico animado que imanta a plateia. Afinal, todos, conduzidos pela memória afetiva, estão vendo vários outros musicais em um só filme.

Damien Chazelle, um jovem e pouco conhecido cineasta, tinha 30 anos quando começou a filmar “La La Land”. Vinha de um cinema de perfil experimental, mas que apontava propostas mais ousadas de narrativa e mercado. “Whiplash: Em busca da perfeição” (Whiplash), longa de 2014, desenvolvido a partir de seu curta homônimo, com cinco indicações ao Oscar (ganhou três: mixagem de som, ator coadjuvante e montagem), foi o grande vencedor no Festival de Sundance, local onde propostas diferenciadas de cinema têm mais atenção. O filme conta a obstinação de um talentoso baterista de jazz, que em busca de concretizar seu sonho, compromete sua saúde física e mental ao se submeter às exigências do rígido professor de música.

A visibilidade da premiação e consequentes cifras nas bilheterias despertaram interesse dos produtores para o projeto “La La Land”, que bem anteriormente Chazelle tentava financiamento. O diretor escreveu o roteiro confessadamente influenciado por musicais que o cinema prestava homenagens a metrópoles, e dentro delas a deferência e estima às pessoas que, sem outra opção, deixam sua terra natal em busca de carreiras artísticas nos grandes e selvagens centros urbanos. “Manhatta”, um curta de 1921, de Charles Sheeler e Paul Strand, foi o primeiro filme a tratar com afinco esse tema.

Logo após a repercussão de “La La Land”, o diretor disse em entrevista ao jornal The Hollywood Report que sua intenção “não é retomar o velho musical, mas acrescentar elementos verossímeis, da vida real”. E esse dado de construção de personagens, enredo e elementos narrativos, está logo na abertura do filme, para mostrar ao que veio, ao que se propõe, ao que se fundamenta como obra no gênero: a sequência de fôlego de quase dez minutos, com mais de 30 dançarinos, em perfeito sincronismo coreográfico, filmada durante dois dias na rampa da rodovia que liga a Interstate 105 a 110, levando ao centro de Los Angeles, é alusão à representativa passagem de tempo e espaço de “O mágico de Oz” (The wizard of Oz), de Victor Fleming, 1939, a qual mostra a estrada de tijolos amarelos que conduz à Cidade das Esmeraldas, capital da fictícia Terra de Oz.

O estilo e o tom de explanação, de cenas descritivas que se colam em “La La Land”, reportam como parâmetro e guia filmes emblemáticos como “Os guarda-chuvas do amor” (Les parapluies de Cherbourg) e “Duas garotas românticas (Les demoiselles de Rochefort), ambos de Jacques Demy, “Melodia da Broadway de 1940” (Broadway Melody of 1940), de Norman Taurog, “A roda da fortuna” (The Band Wagon), de Vincente Minnelli, entre tantos outros. Desses títulos que tematizam o jazz, apontam e conferenciam visualmente com clássicos de Hollywood, em “Cantando na chuva” Damien Chazelle define uma diegese, um conceito dramatúrgico do mundo ficcional com o real, de um diálogo entre dois tempos, uma simetria de referência e reverência. Stanley Donnen e Gene Kelly em 1952 externaram, em um filme só, princípios vitais do musical, a consciência e espírito de um feitio cinematográfico, e não à toa os personagens centrais são dois astros da época do cinema mudo. O cinema como citação dele mesmo. A alma se incorporando como linguagem para se descrever. “La La Land” em um salto no tempo, descola e narra uma espécie de gramática generativa, mencionando aqui, nesses apontamentos de metalinguagem cinematográfica, a teoria linguística elaborada por Noam Chomsky.

“La La Land” forma com “Cantando na chuva” e “O mágico de Oz” um tripé onde se posicionam e convergem todos os filmes aludidos. O título é uma colocação deliberada ao termo “lalaland”, lugar fictício, onde vivem seres com ideias ousadas, em contraponto com a realidade. Seres que palmilham, sob chuva e mirando além do arco-íris, a estrada de tijolos amarelos em direção a Los Angeles, Hollywood e à Cidade das Esmeraldas.

Todos os caminhos mágicos de Fleming, Donnen, Kelly e Chazelle levam a Oz.

(Texto de Nirton Venancio)

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