Quem viveu os anos 70 e acompanhou a música brasileira da época, sabe da importância de Edy Star para tudo que vivenciamos hoje. Se alguém quiser mencionar um ícone pioneiro é ele mesmo! Felizmente ele está na ativa, aos 80 anos completados HOJE, dia 10 de janeiro de 2018 e as novas gerações podem conhecer o trabalho desse baiano que ganhou o mundo com seu talento e hoje está morando em São Paulo e em plena divulgação de seu segundo trabalho solo. “Cabaret Star” pode ser desfrutado em disco e também ao vivo em futuros shows. O lançamento aconteceu em uma noite muito especial na Casa Natura Musical, mas tudo indica que novos shows virão, então é ficar atento e não perder a chance de assistir ao vivo esse grande artista brasileiro. Enquanto novas edições do “Cabaret” não acontecem, vamos conhecer um pouco mais da história dessa estrela que aniversaria hoje. Obrigada pela deliciosa entrevista e parabéns Edy Star!
FCEF – Quando e onde o “bichinho” da arte te mordeu ?
ES – Desde pequeno! Aos 5 ou 6 anos eu já cantava em casa. Depois foi na escola. No meu tempo, aos sábados, havia reuniões de “moral e cívica” e os meninos cantavam, declamavam. Todo final de ano tinha a festa da escola e eu me sobressaía por cantar direitinho, afinado, ritmado. A primeira canção que cantei na escola foi “Canta Brasil”. Logo depois passei a cantar em um programa infantil, na rádio. Também fazia operetas em cima das obras de Monteiro Lobato.
FCEF – Isso tudo em Salvador ?
ES – Sim! Meu pai era de Salvador. Era esportista, remador e juiz de futebol. Ele foi apitar algumas partidas em Juazeiro, conheceu minha mãe e se apaixonaram. Houve muita resistência por parte dos meus avós, pais dele. Não aceitavam que um rapaz bonito e de uma certa classe social se enamorasse de uma moça pobre como era minha mãe. Acabou que ele ficava indo todos os fins de semana para Juazeiro, até que se casaram. Eu nasci em Juazeiro, mas quando tinha 1 ano nos mudamos para Salvador. Sou o primogênito, mas somos um total de 6 irmãos.
FCEF – Em 1970 você foi para o Rio de Janeiro. O que te motivou a partir ?
ES- Antes de ir para o Rio, eu já tinha ido morar em Recife. Estava lá há quatro anos, acompanhando a CBC (Companhia Baiana de Comédia). Eu atuava com o Lourival Paris e nós dois fomos convidados a ficar lá por conta de um projeto chamado Pró-Darte, que era bem interessante. Nós recebíamos salário mensalmente e montávamos espetáculos, sem receber nada a mais, porque já éramos remunerados. Eu fiz um espetáculo chamado “Memórias de dois cantadores” onde trabalhava com Teca Calazans, Naná Vasconcelos e Marcelo Mello (do Quinteto Violado). Fomos premiados e o musical fez bastante sucesso. Aí eu fui convidado a ser produtor na TV Jornal do Comércio. Isso em 1967. Até que fui ao Rio, representando Pernambuco em um festival chamado “Brasil canta no Rio” que aconteceu no Maracanãzinho. Eu cantei Capiba.
Na volta à Recife, passei em Salvador e fui visitar uma amiga na TV Itapuã e acabou que fui contratado por eles. Passei a apresentar um programa chamado “Poder Jovem” e trabalhava com uma produtora chamada Domitila Garrido. Era um programa de muita audiência, veiculado aos sábados à tarde e eu também cantava. Lá se apresentaram pela primeira vez os Novos Baianos, Antonio Carlos e Jocafi, Maria Creuza, Tom e Dito.
Em 1970 eu comecei a reclamar da TV porque já estavam há quatro meses sem me pagar. Cobrei deles no ar e lógico que não continuei lá… Foi aí que encontrei Raul Seixas que me chamou para ir com ele para o Rio.
FCEF – Assim que você chegou já gravou seu primeiro disco ?
ES – Sim! Raul já tinha uma música pra mim. Gravei um compacto simples que, por sinal, eu tenho guardado. Tenho tudo meu. Até notinha de jornal. Guardo tudo e mantenho organizado o material.
FCEF – O que é uma raridade entre os artistas, por sinal. Além de você, só vi agora na Ocupação do Itaú Cultural, que Inezita Barroso mantinha um arquivo organizado do próprio material! E por falar nisso, quando sai a biografia?
ES – Nunca! (risos) Por mim não tenho o menor interesse. Fico impressionado com o que vejo por aí. Blogueiros não sei de quê, gente que não tem nem 20 anos com biografia à venda… Minha vida é muito boba, já estou cansado, sentado à beira da estrada. Ninguém se interessa e eu não peço nada a ninguém. Nunca peço, nem à minha família, mas se alguém se interessar, podemos conversar. Agora, por exemplo, a maior produtora da Bahia está fazendo um documentário sobre mim. Estão na fase da montagem. E foi assim: querem fazer? Façam! Eu não me meto, não dou opinião, não acho nada. Quando me perguntam algo, dou as respostas mais verdadeiras possíveis, mas não comento. Não dou minha opinião. O enfoque é de quem faz. Minha avó, com sua sabedoria bem popular e sábia, dizia o seguinte: ” À mulher de peito e homem de pentelho não se diz cuidado nem se dá conselho” (risos)
FCEF – Vamos falar agora do “Sessão das 10 – Grã Ordem da Sociedade Kavernista”. A ideia foi de quem? Como surgiu ?
ES – Foi algo que surgiu comigo, com Sérgio (Sampaio)… Raul não queria fazer o disco. Ele era produtor. Ainda era Raulzito. Aí tivemos a ideia de colocar uma mulher e a Míriam (Batucada) estava chegando ao Rio, querendo construir uma carreira lá e a chamamos. Aquela lenda de que o disco foi gravado em 24 horas, na surdina, às escondidas é bobagem. Quem conhece a rotina de um estúdio de gravação sabe que isso não é possível. Um disco tem arranjos, tem marcação de estúdio, todo um projeto, equalização. Essa história foi inventada e tem gente que ainda acredita. Acabou que o disco saiu, a matriz nos EUA não entendeu que disco era aquele e na mesma ocasião o Raul foi para a Phonogram e colocou músicas no Festival : “Let me sing let me sing” e “Eu sou eu Nicuri é o diabo”. Com 15 dias de lançado nas lojas, o “Sessão das 10” foi recolhido pela CBS. Foi o primeiro disco em que o nome Raul Seixas aparece.
FCEF – E sua amizade com Sérgio Sampaio, como foi ?
ES – O Sérgio foi acompanhando um outro cantor à CBS e procurou Raul. Acabou que o outro cantor não ficou e Sérgio mencionou para o Raul que tinha umas músicas para mostrar e ele pediu que Sérgio voltasse no dia seguinte. Eu acho o Sérgio Sampaio um gênio. Um sujeito divertido, adorava fazer trocadilhos, a gente ria muito. Ficamos grandes amigos.
FCEF – Seu primeiro disco solo – Sweet Edy – Foi João Araújo o responsável ?
ES – Sim, João Araújo! Eu trabalhava na boate Number One. Estava substituindo a Maria Alcina que tinha acabado de fazer sua temporada por lá. Aí ela foi me assistir e eu fazia um número em que a imitava. Aí ela voltou e levou o Mauro Furtado que era o dono da boate e empresário dela na época. Ele gostou e me contratou na hora. Eu já conhecia a Maria Alcina antes, mas não tinha intimidade com ela ainda. Eu tinha trabalhado na Rádio Carioca como DJ e ela chegou lá com o primeiro disco dela e eu toquei. Mas a nossa amizade ficou mais forte quando eu fiz a temporada de seis meses na boate em que ela trabalhava, E foi lá que uma noite apareceu o João Araújo e me chamou para gravar o disco. Aí pedi músicas aos amigos: Roberto e Erasmo, Caetano, Gil, Jorge Mautner…A produção foi do Guto Graça Mello, tive uma banda de primeiríssima que gravou comigo. Quando o disco saiu eu já estava aqui em São Paulo, fazendo temporada em uma boate. Nunca mais ouvi. Só fui ouvir novamente agora em 2007.

FCEF – Vamos falar agora sobre o seu trabalho como artista plástico.
ES – Eu sempre pintei, desde pequeno. Pintava, guardava. Desenhava com nanquim. Um dia, em 1962, mostrei meus quadros a um amigo e ele disse: vamos fazer uma exposição. Aí eu respondi: como? Eu sou pobre… Mas ele bancou. Me deu as molduras e conseguiu um local (que hoje é a Secretaria de Cultura de Salvador). Arranjou patrocínio para o coquetel da inauguração. Tenho até hoje o convite e o livro de presenças. Depois participei de outras exposições, de coletivas. Meus quadros foram para Massachusetts, Los Angeles. Ganhei um prêmio em uma coletiva no Recife e participei de uma exposição no Rio com o catálogo escrito por Jorge Amado.

Atualmente não tenho pintado porque pra pintar é necessário se ter 3 coisas: tempo, espaço e luz. Como moro sozinho, tenho que cuidar de muitas coisas e esse trabalho exige também muita disciplina.
FCEF – Sua ida para a Espanha. Como foi?
ES – Em 1990 não se conseguia mais trabalhar aqui. O Collor tinha assumido, os incentivos todos cortados. As boates não contratavam mais os artistas. Só se tocava playback. Cheguei na Espanha e três dias depois já estava trabalhando. Fiquei 22 anos.
FCEF – Cabaret Star – Seu novo CD – De quem foi a ideia ?
ES – Há uns dois anos eu comecei a pensar que queria fazer um disco antes de morrer. Vivo pensando na morte. Aí coloquei na internet que queria fazer um disco mas não tinha dinheiro e buscava um produtor. Até apareceu um, chegamos a conversar mas eu já tenho experiência e sei quando uma carruagem anda ou não (risos). Essa não andou.
Aí encontrei o Zeca Baleiro, com quem já tinha feito um projeto antes e ele me sugeriu o projeto do disco. Me disse pra eu ver o repertório que eu queria e conversar com ele. Nos encontramos várias vezes. Eu cheguei a listar 80 músicas que me interessavam. Ele perguntou se eu queria convidados e como sou uma pessoa simples, escolhi quatro: Cauby Peixoto, Ney Matogrosso, Caetano Veloso e Emílio Santiago. Eu já tinha pedido a Emilio que gravasse “Ave Maria do Morro” pra mim, era um outro projeto, mas eu tinha a gravação. Só não consegui o Cauby, porque ele já estava doente. Aí resolvi que queria um dos artistas da nova geração no meu disco. Queria alguém que estivesse na mídia e tivesse público. Me apresentaram uma lista com 5 ou 6 nomes. Uns eu não gostava outros eu não simpatizava. Aí decidi chamar o Filipe Catto. Ele é uma pessoa simpaticíssima, sem frescura e está muito bem assessorado. É uma pessoa com o pé no chão e com aquela voz. Por mais que queiram comparar com Ney, não tem nada a ver. Os dois estão no meu disco e você sabe exatamente quem é quem. Eu quis escolher uma música meio rock pro Filipe porque é um estilo que não vejo ele cantar. Já o Ney eu queria uma música bem sacana, esculachada. Fiquei feliz que o produtor gostou do resultado do disco. O que importa é o produtor gostar. Apesar de que tenho recebido muitos elogios por esse trabalho. Me disseram que eu passei no teste do segundo disco (risos). Agora vou esperar passar as festas e trabalhar o disco!
FCEF – Quem você destacaria nessa nova cena musical brasileira ?
ES – Tem pessoas maravilhosas. As Bahias e a Cozinha Mineira são ótimas. Quem eu acho que pode explodir esse ano são os Não Recomendados. São excelentes. Pra mim são os Les Etoiles do momento. São ótimos, afinados. O resto, como diria Caetano na música: bobagens, meu filho!