
FCEF tem um prazer imenso e a honra de conversar com um dos maiores compositores da nova cena da MPB, o mineiro (radicado agora em SP), César Lacerda, a quem agradecemos a simpatia e a disponibilidade em nos conceder essa entrevista.
FCEF – Em que momento de sua vida você teve aquele “clique” e percebeu que a música era o que você queria fazer?
CL – Minha mãe é pianista e eu sou o terceiro filho, o caçula de uma família de três irmãos. Quando eu nasci, o meu irmão, imediatamente mais velho, tinha quatro anos e a minha irmã mais velha, cinco. Minha mãe, à época da gravidez do primeiro filho, ainda era diretora do Conservatório de Diamantina, a cidade em que nasci, mas quando eu nasci, ela já tinha se aposentado e aberto uma Escola de Música. Então, eu nasci ali, naquela situação de filho de uma professora de música. Esse “clique” se deu muito cedo porque o estímulo para a atividade musical em minha vida se deu assim, logo que nasci. A música nasceu junto de mim, eu poderia dizer.
FCEF – Mudança para Belo Horizonte. A Banda cLAP. Fale um pouco sobre isso.
CL – Eu vivo em Diamantina até os meus doze anos e me mudo para Belo Horizonte, onde fico até os vinte anos. Foi lá que tive uma iniciação musical mais formal e onde eu descubro esses dois grandes amigos: Thiago Sá e Gabriel de Oliveira, faço essa banda e lanço dois discos. É aquele período em que se lançava discos em bancas de jornal. O primeiro disco “Treze trinta e um” (como as horas mesmo) foi lançado em uma revista que se chamava Mp3 Magazine e depois um disco ao vivo com essa mesma banda, chamado “Um três” que também foi lançado pela mesma revista, mas com outro nome MP3 World. Foi uma fase especial porque foi a minha primeira forma de me conectar com o mercado da música e com a ideia de composição também. Uma fase que eu tenho muito carinho por ela.
FCEF – Em 2011 você lança um EP, seu primeiro trabalho solo. Como foi o processo?
CL – Passado esse período em Belo Horizonte, em 2007, com vinte anos, eu me mudo para o Rio de Janeiro. Fui cursar Música e fiz bacharelado em flauta transversal, apesar de não ter me formado. Larguei a faculdade quando faltava apenas uma matéria para eu me formar, que era o recital de formatura. Pouco antes desse momento, de largar a faculdade eu gravei esse EP que já era uma sinalização do desejo de finalmente lançar um trabalho com o meu nome, voltado para as questões estéticas que surgiam para mim. São três canções. Duas delas eu volto a gravar, mais adiante, em meu primeiro disco e a terceira, uma canção em inglês “Don’t ôxe me”. Ôxe, essa interjeição nordestina, como nós, mineiros, falamos “uai”… Uma brincadeira com isso. É a banda que mais tarde vai gravar meu primeiro disco, de ambições musicais de fato grandiosas.
Em 2013, quando eu desejo, finalmente, gravar meu primeiro disco, ele é do ponto de vista estritamente musical, a missão de ser um trabalho que desse conta da questão da minha formação, a bagagem que eu tinha tido até então. Ele é fruto de uma paixão minha com a música, mais especificamente pela coisa da canção. Ele já sinalizava meu desejo e ambição de falar das questões do Brasil. O single do disco e uma das canções mais conhecidas minhas se chama “Herói” e fala bastante disso. Tem um clipe gravado na Supervia, que é uma linha de trem no Rio de Janeiro, que liga a Central do Brasil a alguns bairros da zona norte. É um disco que tem a felicidade de ter a participação do Lenine, do Marcos Suzano e de um Quarteto de Cordas do leste europeu que se chama Quarteto Taron. Tem a participação do meu irmão, um compositor de música erudita contemporânea, que é o Sérgio Rodrigo. Tem também o Carlos Posada, a Juliana Perdigão, o Alexandre Andrés, flautista, compositor mineiro, tem diversas participações. É o disco que inaugura minha carreira como cantor, compositor e músico.
FCEF – Em 2015 você lança “Paralelos e Infinitos”…
CL – Esse disco é uma obra. Eu desejava falar sobre uma relação. Especificamente sobre a música, o disco tem uma busca de procedimento de tentar usar uma série de reverbers, para que se tenha a sensação, ao se ouvir, de aproximação da sensação que se tem quando se está apaixonado e parece que você está flutuando. É uma obra…a primeira canção diz sobre o momento em que você se apaixona por alguém, a coisa vai caminhando, caminhando até a última canção que fala sobre a despedida. É um disco conceitual sobre o amor. Paralelos e infinitos é uma expressão que eu li em um livro português que se chama “Amor em segunda mão”. É a ideia de que paralelo e infinito é o encontro do mar com o céu, e eu pensava que a melhor maneira de falar sobre o amor era exatamente essa metáfora. O seu amor é aquilo que caminha com você, paralelo e infinito.
FCEF – O encontro com Rômulo Fróes e o trabalho maravilhoso que vocês fizeram juntos: “Meu nome é qualquer um”. Como foi?
CL – Em agosto de 2015 eu me mudo para São Paulo e conheci o Rômulo nesse mesmo ano, mas em 2016 nos aproximamos de uma forma profunda, porque fizemos dezenas de canções. Trinta canções. Foi tudo de uma forma muito rápida e apaixonada. Foi isso que gerou o “Meu nome é qualquer um”. Ele foi lançado ano passado e é um disco que tenta dar conta de diversos temas do Brasil recente como a transsexualidade, o assassinato de crianças negras nas favelas, o amor entre homens, enfim, dizemos que esse é um disco sobre o “novo homem”. Sobre a busca do significado desse novo homem. Tem uma série de canções lá que falam sobre essa busca e a interpretação do significado da relação com a masculinidade.
FCEF – Você tem parcerias com artistas mineiros incríveis como Flávio Henrique, Makely Ka e Kristoff Silva que, infelizmente, o país ainda não conhece. Além da Internet, que outros meios você acha que podem ser utilizados para que esses artistas cheguem ao público em um país tão grande quanto o nosso?
CL – De fato, o Brasil é um país que apresenta essa dificuldade de relação com a cultura. Ao mesmo tempo que há uma vastidão de artistas e até mesmo de interesse pela arte e de inclinação para a produção e para a manifestação artística e cultural, ainda assim o Brasil é um país que encontra, possivelmente pelo abismo que há na formação das pessoas, na educação, enfrentamos esse problema de dificuldade para uma aproximação, uma fruição maior dos músicos daqui. Especificamente sobre Minas Gerais, eu poderia dizer diversas coisas, mas acho que poderia dizer de fato sobre o país, porque a cena que emergiu no início dos anos 2000 mais tarde também na década seguinte, em diversos estados brasileiros é ainda muito desconhecida. Muitas vezes ela é conhecida nas capitais, mas a comunicação, no país inteiro, ainda é muito pequena. Eu tenho pensando, por um lado, que há uma questão estética que precisa ser repensada. Essa geração nasceu junto com a estética “indie”, que em geral é uma estética que conversa com pouca gente, com “bolhas”. Por outro lado, e mais profundamente, eu acho que é necessário que o Brasil consiga construir uma ponte possível entre a arte, a cultura e o povo. E a única maneira disso se dar é através da educação.
FCEF – Você está lançando HOJE – 27/10/17 -seu CD “Tudo, tudo, tudo, tudo”. Fale-nos sobre ele.
CL – Sim! Estou lançando hoje meu novo disco “Tudo, tudo, tudo tudo” São quatro tudos (risos). Ele tem direção do Marcus Preto, participação da Maria Gadu, tem o single, que é uma regravação de uma música da Pitty. O texto de apresentação do disco é do Walter Hugo Mãe. Ele está sendo lançado pela YB e o selo Circus. É um trabalho de muita gente. Produção musical do Elísio Freitas. É um disco em que eu tento, de alguma maneira, dialogar com um público maior. Tem o interesse político-afetivo, estético, com essa lógica do que de alguma maneira a gente pode chamar de música pop, mas pop no que se refere à questão da música popular. Não à música popular folclórica, mas da música que acessa a população de uma forma mais arrebatadora, mais potente. Então o “Tudo, tudo, tudo tudo” é um disco que deseja chegar às pessoas, que essas canções sejam cantadas pelas pessoas. Da forma como em outros momentos da história do Brasil a canção popular conseguiu. Na pergunta anterior, você me perguntava sobre o problema dos artistas que não são conhecidos no Brasil e eu falava dessa questão estética. E essa questão eu tento levantar com esse disco. Uma reaproximação do momento em que a música popular fazia parte da vida das pessoas. Eu não estou dizendo sobre aquele momento mais falado, que são as décadas de 60 e 70. Falo mais sobre as seguintes, 80 e 90.
FCEF – Seu encontro com Filipe Catto. Como e onde foi? Ele gravou “Um milhão de novas palavras” (sua e de Fernando Tenporão e que vocês, gentilmente, nos autorizaram a usar como nome de uma coluna aqui do site) no CD “Tomada” e agora vai gravar mais duas canções suas no trabalho novo dele a ser lançado em novembro. Podemos esperar alguma composição de vocês dois no futuro ?
CL – Eu tenho um carinho profundo pelo Filipe. É um amigo especial, uma pessoa maravilhosa, doce e ao mesmo tempo com uma riqueza, uma potência, um valor que me encanta e me emociona. É o cantor, intérprete de maior potência da minha geração. Fico muito feliz dele ter gravado essa minha parceria com o Temporão, no “Tomada” e, agora nesse disco novo, ele grava “Faz parar” e “É sempre o mesmo lugar” que eu e Rômulo fizemos especialmente para ele. Eu fico muito feliz, muito honrado. Eu e Filipe já brincamos de fazer uma música. Temos um samba que fizemos, mas que não deu em muita coisa. Acho que sim, a nossa amizade é tão verdadeira e tão desejosa de seguir até o último dia de nossas vidas que, com certeza, canções virão e outros momentos e tudo mais.

Foto retirada do Instagram de César Lacerda – Sem registro de autor