Não sei a data exata, mas guardo alguns esboços de coisas que tentei escrever, porque Filipe é assim: ele te move. Do dia, tenho quase em detalhes na memória, porque a sensação foi muito parecida de como quando ouvi Elis a primeira vez. Nós não tínhamos nada dela em casa, vinil, fita k7, CD, nada. Na verdade, nem aparelho para reproduzir essas mídias a gente tinha, então, eu ligava pra rádio só pra ouvir a voz dela. Filipe também me causou este impacto. Ouvi à exaustão a mesma música, “Olhos nos Olhos”, o dia inteiro. Mas não era pela música, que é bem conhecida, mas pela voz dele, de como ele nos conduz pela voz. Enfim, ele me pegou em um momento no qual eu não acreditava ter mais palavras dentro de mim para explicar as coisas: momento de escrita de tese. Acho que Filipe me fez compreender que se eu quisesse produzir palavras, seria necessário me recarregar deixando as ondas do som passarem pelo meu corpo. Ou seja: (re)ouvindo música. A voz dele se tornou necessária pra mim, pra que eu pudesse voltar a escrever.
Como isso aconteceu há uns dois anos e pouco, como fã, cheguei na transição de um álbum para outro. Do “Fôlego/Entre cabelos, olhos e furacões” para “Tomada”. O que foi muito bom, porque pude perceber exatamente aquilo que admiro mais em um artista que é a capacidade de se reinventar e de se arriscar. Os álbuns têm tons diferentes. E o que mais me deixa mais espantada é que Filipe se liga na tomada no momento certo: no momento de transição do próprio país (há dois anos a gente não adivinhava que passaríamos por um golpe parlamentar). Da mesma forma que, entramos na democracia, nos anos 80 (do século XX) embalados pelo rock nacional, contestando, se reescrevendo como brasileiros votantes; também entramos neste período absurdo no qual vivemos hoje (que não é democrático) ligados na potência contestadora do rock. Acredito que se a gente ouvir, daqui alguns anos, o Tomada, Filipe vai nos explicar faixa a faixa o que estamos vivendo. E, como uma obra de todo excelente artista poderemos ouvi-lo, à parte disso, pela beleza, pela fruição estética e humanizadora da arte.
Pois bem, conheci o Filipe pessoalmente no Rio,no CCBB, na turnê do Prêmio da Música Brasileira, de 2016, em homenagem ao Gonzaguinha. Ele fazia dueto com a Simone Mazzer. Era junho, estávamos em plenas Olimpíadas. A coincidência (ou milagre) é que eu estava na cidade para finalização e defesa da tese. Foi bastante simbólico para mim, porque meu trabalho começou a tomar corpo ouvindo a voz do Filipe e seria defendido também com a voz dele e o conhecendo pessoalmente. Vale ressaltar que, quando nosso encontro aconteceu, eu já estava bem arranjada com os fãs, porque se tem uma outra coisa que o Filipe faz bem é (re)unir pessoas. Foi quando também conheci pessoalmente a Klaudia, a quem sou muitíssimo grata, não só por esse dia, mas pelos outros que vieram. Também conheci a Angel, o Ricky, quer dizer, o coração da Filipe Catto em Foco.
No dia do show, a Klaudia me arrastou pelo centro intransitável da cidade. Quem acompanhou os jornais sabe o caos que estava. Confesso que sou muito medrosa, se o motivo não fosse o Filipe, não teria ido. Mas o Filipe é assim: te move. Fui aos dois dias seguidos de apresentação. Levei pra ele e pro Ricky um livro, “Vermelho Amargo” do Bartolomeu Campos de Queirós. Ele logo postou na página dele do Instagram. Achei-o muito atencioso.
Agora, em 2017, passei por muitas mudanças, inclusive, voltei a morar com meus pais no Ceará. Porém, como um presente do acaso, descobri que havia uns pontos no meu cartão de crédito que me devam direito a uma passagem. E, claro, não pensei duas vezes: partiu São Paulo! Liguei pra Klaudia que me recebeu muito bem e, em maio, pude vê-lo cantar novamente, no Bar Brahma em um show em homenagem ao Cauby. Foi lindo.
(Carmélia Aragão)