Memória: Renato Russo

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RENATO RUSSO E AS POSSIBILIDADES DO AMOR

Não lembro bem o ano nem minha idade, mas me lembro de cada detalhe do dia em que ouvi Legião Urbana a primeira vez. Ou melhor, a voz de Renato Russo a primeira vez. Uma prima me chamou no quarto e pôs o fone do walkman no meu ouvido. Auge dos anos 90. De repente, apareceram aqueles famosos três pobres acordes tão criticados por alguns, mas para nós pouco importava. Éramos duas meninas (ela, 11 anos mais velha) no interior do Ceará, cometendo um ato de insubordinação naquele momento. Porque Renato Russo nos libertava. Ele não sabia, ou sabia sim, que estava nos libertando através do amor de Eduardo e Mônica. Libertava-nos da obrigatoriedade “do casamento” e, por conseguinte da idade certa “pra casar”, porque não existe razão pras coisas feitas pelo coração. Mais que uma crônica de amor, Eduardo e Mônica dava à mulher a possibilidade de tomar decisões de acordo com o presente, de viver o amor no presente, pois sendo Eduardo bem mais novo que Mônica que futuro (dinheiro/sustento) ele poderia dar para ela? Essa pergunta fez muitas mulheres desistirem de suas escolhas. Mas, a letra de Renato, esse casal tão diferente construíam um presente que vai virando futuro juntos, um futuro presentificado no amor, porque o “para sempre, sempre acaba”.

Com minha chegada à adolescência, depois da partida de Renato, e com o avanço das tecnologias de acesso à música, era impensável haver uma roda de violão em que não se cantasse alto ao infinito que: é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã/Por que se você parar pra pensar na verdade não há. Talvez, como na adolescência a vida se faz urgente, cantávamos para sermos ouvidos, para marcar nosso presente, mas talvez nem percebêssemos que era preciso amar, porque existe o risco perene da finitude da nossa matéria, do corpo. Provavelmente por isso a canção se chame Pais e Filhos , porque há um ciclo marcado pelo tempo para viver esse amor e não perdê-lo com discussões banais. É preciso amar, aceitar as pessoas, entendê-las.

Atualmente, por questões de trabalho e de militância, a música Vento no Litoral vem soprando forte algumas questões latentes do nosso tempo. Apesar de ter derramado muitas lágrimas me identificando com o narrador solitário desta canção, caminhando e confessando seu amor impossível diante da natureza, um amor que o vento vai levando tudo embora, hoje percebo que a confissão de Renato era muito mais cruel que a varredura do vento, era um furacão. O cantor confessava uma impossibilidade que, apenas hoje, está sendo desconstruída e levantada pela comunidade lgbtt,:o direito ao casamento igualitário, a adoção de crianças por casais homoafetivos e o direito de existir enquanto família. O que me parecia antes uma mera citação romântica de que o amor nos faz ver coisas impossíveis, como encontrar cavalos marinhos, descubro, algum tempo depois que entre os cavalos marinhos são os machos que engravidam. A referência ao seu amor e ao seu desejo de constituir uma família estavam, ali, bem claras.

Renato Russo não era nada bobo. Não são penas três pobres acordes com letras adolescentes o que ele nos legou. Foi bem mais que isso. Seu legado hoje surge para nos contradizer sobre o que chamamos de décadas culturalmente mortas (anos 80 e 90) em nosso país. Renato cantou seu modo de vida, cantou a política de nosso tempo, a política do amor, o amor político e nos ensinou que também é preciso amar diante do impossível e desejar sempre um mundo melhor.

Para saber mais sobre o legado de Renato Russo indico como leitura o livro Ensaios legionários: canção, estética e política do professor de filosofia Marcos Carvalho Lopes.

(Texto de Carmélia Aragão)


“Ainda que eu falasse
A língua dos homens
E falasse a língua dos anjos
Sem amor eu nada seria

É só o amor! É só o amor
Que conhece o que é verdade
O amor é bom, não quer o mal
Não sente inveja ou se envaidece.”

Oi Renato. Nossa! Como o tempo passou rápido! Hoje, faz 20 anos que você foi embora. Nunca sua poesia fez tanto sentido. Estamos passando por transformações significativas e se não houver um novo olhar para as relações humanas, para as relações afetivas que privilegiem o amor, a tolerância e a generosidade, as pessoas estarão fadadas a enxergar apenas o egoísmo e as desavenças. O que aumenta ainda mais essa perseguição a quem é tido como diferente.

Você foi um artista em conflito com sua época, consigo mesmo, com sua forma de amar e transformou isso em poesia.

Você apareceu lá em Brasília quando a democracia dava seus primeiros passos. Era o porta-voz de uma juventude que queria ser ouvida; que tinha opiniões divergentes na política e não se intimidava em se expor.

Juventude que experimentava o amor livre, as drogas e a irreverência, características daqueles que buscam a verdade através de sua própria experiência.

Suas letras falam de amores perdidos, dúvidas existenciais, insatisfações políticas.

Você arrastou para seus shows, multidões de jovens que se viam representados por aquele moço magro, que dançava de forma esquisita, com uma voz potente e uma revolta latente.

Incompreendido por muitos, só tempos depois de sua morte, o mundo descobriu que você descortinava a realidade de nosso país e os dilemas do mundo de forma cortante.

E veja só que surpresa!

Suas palavras estão cada dia mais atuais.

É, poeta!

Parece que você foi um visionário. Seu Brasil não mudou quase nada. A política ainda patina com a corrupção e o descaso com os mais humildes.

Porém, acho que você ficaria feliz em saber que os jovens já olham com naturalidade para as várias formas de amor. Infelizmente, isso não se reflete na sociedade, mas acho que é um bom começo.

Você ainda vive no coração daqueles que te transformaram em ídolo e dos que vieram depois e só te conhecem por suas músicas.

Acreditamos nas suas palavras.

A força delas pode ser uma bela inspiração.

A arte continua sendo um dos mecanismos de protesto e reivindicação.

“É preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, pois na verdade não há.”

“Venha meu coração está com pressa

Quando a esperança está dispersa

Só a verdade me liberta

Chega de maldade e ilusão

Venha, o amor tem sempre a porta aberta

E vem chegando a primavera

Nosso futuro recomeça:

Venha, que o que vem é perfeição.”

(Texto de Christina Eloi)


Aprendi com o Renato que…

É preciso amar as pessoas como se não houve amanhã…
Quando se aprende amar o mundo passa a ser seu…
Ninguém vai me dizer o que sentir…
Que sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher…
Que tudo o que você faz um dia volta pra você…
Nos querem todos iguais, assim é mais fácil nos controlar…
Essa justiça desafinada é tão humana e tão errada…
A rotina crescia como planta e engolia a metade do caminho…
Quando não estás aqui, meu espirito se perde…
O sistema é mal, mas minha turma é legal…
Viver é foda, morrer é difícil…
Sou eu mesmo e serei eu mesma então, e não há nada de errado comigo não…

É… Tive muitos aprendizados com ele, sou uma fã influenciada por minha mãe que é fã ardorosa do “Trovador Solitário” e desde antes de eu ser gerada, já era embalada por suas canções. Lembro-me de passar tardes e tardes ouvindo Legião e seus discos solos, gosto de toda a sua discografia, mas “Tempestade”, “The Stonewall Celebration Concert” e “Equilíbrio Distante” tem espaço garantido do meu coração. É daqueles discos da vida,sabe?

Renato não só marcou uma geração, como ainda marca e tenho a certeza que ainda vai ser trilha sonora das próximas.

Com maestria e sensibilidade conseguia transmitir por meio de suas canções a indignação perante o cenário politico da época, os desencontros e encontros do amor, seus ideais, sua frustação e sobre o amor com simplicidade e perfeição que só um poeta é capaz. Sua obra é atemporal como já disse  e cito como exemplo as músicas “Perfeição” que em um de seus versos diz: “Vamos celebrar a estupidez do povo/ Nossa polícia e televisão /Vamos celebrar nosso governo/ E nosso Estado, que não é nação…” que mesmo após 23 anos continua tão atual, “Eduardo e Mônica” que mesmo com 30 anos parece a historia de amor de algum conhecido seu e em “Faroeste Caboclo” que contém 159 versos, nos quais nenhum se repete. #Gênio

Sobre a sua partida, há 20 anos ,só sei contextualizar com os versos de “Love In The Afternoon”

“É tão estranho
os bons morrem jovens
assim parece ser
quando me lembro de você
que acabou indo embora
cedo demais”

Força Sempre!
Urbana Legio omnia vincit

(Texto de Emilly Luciana Barbosa)


Hoje faz 20 anos que ele se foi e a pergunta, que fez em 1987, continua sem resposta para mim: que país é esse? A impressão que tenho é que damos um passo pra frente e dois pra trás. Quando menos se espera viver coisas terríveis do passado, estamos de novo emaranhados nos mesmos nós. Renato poeta, Renato profeta. Alguém tão lúcido e tão capaz de traduzir as angústias, anseios e esperanças de toda uma geração. Da sua e das seguintes também, porque o tempo passa, mas o humano permanece.

Renato, tão atual. Tão presente mesmo não estando mais. A arte e sua capacidade de eternizar uma voz, um sentimento. Acredito que nem mesmo ele, que tanto captou e revelou em sua obra todas as facetas do ser humano, imaginaria o que estamos vivenciando hoje. Tempos difíceis e surreais em uma terra que já deveria estar em outro patamar.

Lamento, Renato, mas sua pergunta vai continuar sem resposta. Por quanto tempo ainda não sei. Quisera saber e poder te responder: esse é o país que queremos. Mas tudo indica que ainda estamos distantes disso. Uma pena. 20 anos se passaram e a luz no fim do túnel está bem tênue. Como a esperança também é nossa profissão, vamos seguindo, lutando e tentando não deixar a escuridão tomar conta.

(Texto de Klaudia  Alvarez)


O artista e intérprete de música tem uma rara possibilidade além da característica basilar dessa profissão. Arrastar multidões em grandes shows, distrair o ouvinte no percurso do trabalho, ser trilha sonora de um amor, geralmente é assim que tratamos a música no nosso dia a dia. Mas, de tempos em tempos temos a sorte de surgir Elis Regina, Chico Buarque, Caetano, Renato Russo, Filipe Catto, que assumem um papel social, que vai além do puro entretenimento. Cantar a “Celebração da Estupidez Humana”, a relação de “Pais e Filhos”, elaborar narrativas cheias de significados sociais como “Faroeste Caboclo” talvez seja promover essa arte na essência, que conta um pouco da história do ouvinte, além de contar a história de uma nação. Assumir esse papel é também escrever uma nova história, propondo uma mudança de visão, nos fazendo pensar a respeito de determinadas convicções que podem nos fazer pessoas melhores. Isso fez (e ainda faz) Renato Russo, isso faz Filipe Catto.

(Texto de Mari Almeida)

2 Comments

  1. Parabéns equipe da zine. Sempre gostei da Legião Urbana. Resenhas belíssimas homenageando esse nobre cantor que contribuiu para abrir caminhos à uma sociedade um pouco mais aberta e de certa forma menos preconceituosa.

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