
“EU ABRAÇO A MÚSICA, E O QUE ELA PRECISAR DE MIM, EU ESTOU PRONTA” (Ceumar)
Ceumar está completando 20 anos de carreira, já que o lançamento de seu primeiro trabalho, o CD Dindinha, aconteceu no finalzinho de 1999. De voz doce e afinada, a mineira de nome poético – certa vez Zé Rodrix falou que a junção de céu com mar só podia dar coisa boa – não é apenas uma excelente cantora e violonista. É também pianista, compositora(das boas), produtora e gosta de opinar nos arranjos de suas canções. Mesmo estando em uma longa turnê com Déa Trancoso e Cátia de França, em um projeto lindo, Ceumar encontrou tempo pra se dedicar ao lançamento de seu novo trabalho solo, o CD Espiral. FCEF teve o prazer de conversar com ela sobre sua carreira e seus projetos.
FCEF – Em que momento a menina Ceumar, nascida na pacata Itanhandú (sul de Minas Gerais) decidiu que a música seria o seu destino?
CEUMAR – Em Itanhandú, eu já nasci em uma família muito musical. Minhas irmãs já tocavam piano e comecei a estudar com a minha irmã do meio, aos sete, oito anos. Mais tarde eu tive uma professora de piano e estudei por alguns anos. Aos 14, 15 anos eu via o violão do meu pai, em casa, e pedi para ele me ensinar os acordes, e foi quando eu realmente me encontrei. Comecei a levar o violão pro colégio, comecei a tocar em festinhas, coisas simples no violão, mas nunca mais larguei. Mais tarde, em Belo Horizonte, quando me mudei pra lá, aos 17, 18 anos, eu fui estudar violão clássico porque gostava muito do instrumento. Gosto até hoje. Se eu decidi que a música seria meu destino? Acho que nunca escolhi isso não. Eu fui sendo levada, seduzida pela deusa Música. Nunca tive, talvez, uma decisão. No primeiro festival em que eu participei, na minha cidade, eu senti uma emoção muito forte, diferente, quando subi ao palco e cantei a canção. Eu estava muito nervosa, mas aquele nervoso não se comparava à delícia, a maravilha que era ouvir minha voz no microfone, ver a reação das pessoas. Então, eu acho que foi ali, naquele momento. Eu tinha 16 anos, um pouco antes de sair de Itanhandú para BH.
FCEF – Seu primeiro CD, Dindinha, tem a produção de Zeca Baleiro. Como foi esse encontro?
– CEUMAR – O encontro com Zeca foi também em Belo Horizonte. Rossana Decelso, que foi produtora dele por vários anos, era minha amiga e foi ela que me apresentou a obra do Zeca. Em BH, ela fazia um show chamado Mandando Bala, só com músicas do Zeca Baleiro, e eu cheguei a fazer uns vocais pra ela, nesses shows. A Rossana me mostrou o Zeca e falou: olha que maravilha! Ele ainda morava no Maranhão. Uma vez ele fez uma passagem por BH, mas a gente veio a se conhecer mesmo mais tarde, em São Paulo. A Rossana me passou o telefone dele, e aí eu o procurei para pedir umas canções. Nessa época, ele morava com o Chico César, e eu conheci os dois, ao mesmo tempo, porque eles moravam juntos, no Sumaré. Aí o Zeca foi muito gentil comigo, os dois sempre foram, e me mostrou várias músicas. Eu montei um showzinho, no Sindicato dos Bancários, e ele foi assistir. Eu cantei uma canção da Cesária Évora chamada Saudad. O Zeca disse que se inspirou nela para compor a Dindinha, com aquela mesma atmosfera das mornas de Cabo Verde. A partir disso, foi sempre um contato, um carinho dele, sempre vendo meus shows. Eu fui com a Dindinha pro Festival de Avaré, em 1995. Ela foi muito bem recebida, o público amou, todo mundo gostou, mas não ganhamos nada, nenhuma premiação. Na época, eu fiquei um pouco triste, porque a música é muito boa, é forte, mas ela entrou na programação da Rádio Musical FM, porque um dos jurados do Festival era o Maurício Barreira, dessa rádio. Ele levou a gravação da Dindinha e começou a tocar na rádio. As pessoas perguntavam quem era, gostavam da música e me deu uma animação bem positiva na época. Até que o Zeca e a Tata Fernandes, que eram e são meus amigos, e iam nos meus shows, me propuseram a fazer o disco. Isso era 1996, 1997. Só que em 1997 nasceu o Tiê, meu filho, então fomos mais lentamente, conversando, fazendo reuniões em casa, escolhendo repertório. Zeca me deu muita coisa pra ouvir, música brasileira em geral, fora as dele, que eu já tinha escolhido. Ele me apresentou Josias Sobrinho, por quem fiquei encantada. Chico César me mostrou Geofrey, a lenda do ginete, e fui ali montando o repertório. Itamar Assumpção também cantava Banzo pelas festinhas. Aí eu disse: deixa eu gravar? E foi super tranquilo gravar. Eu quis a participação do Itamar, fazendo uma voz de preto velho, o que pra mim foi um luxo. Fizemos o Dindinha em dois anos, bem devagar, tranquilamente. Os dinheirinhos que iam chegando, da família, de outras coisas, de outras pessoas e o lancei, então, no finalzinho de 1999.
FCEF – Além de intérprete, você é instrumentista, produtora, arranjadora e compositora, como falamos na apresentação dessa entrevista. Fale um pouco sobre cada uma dessas habilidades.
CEUMAR – Eu tenho a música como uma extensão de mim. Eu não tenho essa divisão. Quando estou sendo arranjadora ou produtora ou somente intérprete. Eu abraço a música, e o que ela precisar de mim, eu estou pronta. Como produtora, eu devo ter começado ali, em 2002, quando fiz Sempre Viva, meu segundo álbum. Embora eu tenha tido amigos incríveis comigo, eu não tive um “produtor” assinando o disco. Ali, eu acho que comecei a me reconhecer como produtora e também compositora, porque foi o primeiro disco em que gravei duas músicas em parceria: Avesso e Boca da Noite. Comecei a me reconhecer também como compositora. Eu já fazia músicas, mas era muito tímida. Aí, comecei a assumir isso, tranquilamente. Vamos lá, gravar uma música minha aqui, e tal. Isso só foi crescendo. Cada vez mais eu estou muito mais confiante pra compor e pra produzir também. Ano passado eu fiz a produção e a direção artística da Manu Sadioro, uma cantora de Bauru, e foi muito bonito, muito prazeroso. Já tinha trabalhado também com a Camila Costa, uma cantautora do Rio. Fiz uma produção de bases com ela, em Amsterdam, quando morei lá. Eu gosto muito de ter essa escuta, de poder colaborar com outros artistas. Isso é bem bacana.
FCEF – Você morou fora do Brasil e se apresentou em vários lugares da Europa. O público europeu continua preferindo a Bossa Nova ou está mais aberto a outros estilos?
CEUMAR – No caso da Europa, eu senti as duas coisas. Eu senti um público bem curioso pra entender o que é essa música brasileira de hoje e sinto que ainda tem aqueles que preferem os caminhos mais óbvios da Bossa Nova, do Samba, do Carnaval, da música rítmica, da festa. Pra mim, foi um desafio ter chegado lá, com 40 anos, e já querer me colocar no mercado europeu com o meu som, as minhas músicas, mas acredito que cada vez mais existe esse interesse, essa curiosidade. Selos da Europa lançando artistas brasileiros. Eu acho que isso é uma ponte muito ampla, mas tem um pouquinho de tudo.
FCEF – Você trabalhou com Gero Camilo, como compositora, em “Canções de Invento”. Alguma chance desse espetáculo voltar em cartaz?
CEUMAR – Eu acho que o espetáculo do Gero, a que você se refere, é A Procissão, um antigo, que eu compus a canção de abertura e fiz muitas apresentações com ele. Amava trabalhar com Gero. Um grande artista, maravilhoso, de quem tenho a honra de ser amiga. Depois fizemos o Canto da Cozinha, com cinco amigos: Kleber Albuquerque, Rubi, Tata Fernades, ele e eu. Deste, também tenho saudades, mas que bom que a gente pode fazer e criar juntos, em uma época muito produtiva para nós, aqui em são Paulo.
FCEF – E o projeto Líricas Femininas, que está percorrendo o Brasil?
CEUMAR – O projeto Líricas Femininas é do SESC-Brasil e já tem 20 anos de existência. O objetivo é percorrer unidades do Sesc do Brasil inteiro, de norte a sul, cidades pequenas, capitais, um colorido variado de público, formação de plateia também. A temática deste biênio são as Líricas Femininas e os Povos Originários. São quatro grupos de cada que estão percorrendo as unidades do Sesc pelo país. No nosso grupo, Líricas Transcendentes, tem sido muito rico, muito aprendizado. Nós temos uma temática que fala da espiritualidade, da transcendência, da emanência, da busca e só vemos beleza. As pessoas se emocionam, ficam felizes de poder estar com a gente. Os shows são acústicos, o que dá uma proximidade muito grande com as cantoras e está sendo lindo. Déa Trancoso, Cátia de França e eu. Maravilhoso! Em novembro, agora, vamos passar pela região sul do país. Serão 15 cidades. E ano que vem ainda estaremos na estrada com as Líricas. Vamos fazer o Norte e Nordeste com mais de 40 shows. O projeto completo chega a uns 120 shows.
FCEF – Você está lançando seu novo CD Espiral, onde trabalha com César Lacerda, Fabio Pinczowiski e convida Josyara. Como foi seu encontro com esses talentos?
CEUMAR – O César Lacerda é agora um grande irmão pra mim. Ele chegou em um momento de busca mesmo. Eu estava vendo as possibilidades de uma parceria pra fazer o disco novo, e ele chegou e perguntou se eu gostaria que ele fizesse a direção artística, que poderia me ajudar e me pediu que mandasse as músicas. Eu achei incrível, desde o começo, a sensibilidade dele. Já o Fabio Pinczowiski faz a produção musical. E Josyara é uma menina super poderosa. Sou muito fã dela. Pra mim também foi um presente estar com ela, cantar junto a canção do Criolo. Eu fico muito feliz de tê-la também, de unir as nossas vozes. Eu estou muito feliz com esse disco novo.

FCEF – E Filipe Catto? Como você vê o trabalho dele e o posicionamento, cada vez mais atuante, em relação a tudo que estamos vivendo atualmente no Brasil?
CEUMAR – Eu sou apaixonada pelo Filipe! Eu o vi no palco e fiquei encantada com a postura e como a música é tão natural para ele. Então, ele é um sol, um sol maior. Sempre que consigo, eu o acompanho e acho que é imprescindível a presença dele na música brasileira de hoje.
CD ESPIRAL – Ceumar – Selo Circus – 2019
1- Tô aqui (Sérgio Perequê)
2- Espiral (Ceumar/César Lacerda)
3- Descalço (Ceumar/Lauro Henriques Jr)
4- Espiral de ilusão (Criolo) Part. Josyara
5- Três irmãs (Ceumar/Juliano Holanda)
6- Looking for a place (Tiê Coelho Todão) – Part. Tiê Coelho
7- Todas as vidas do mundo (PC Silva)
8- Amar além (Ceumar/Madhav Bechara)
9- Três mazás (Ceumar/Uxia) Part. Uxia
10 – O sal dos seus olhos (Ceumar)
11- Amanheceu (Ceumar/ Lauro Henriques Jr)
Músicos participantes do disco: Jota Erre, Fabinho Sá, Fabio Pinczowiski, Tiê Coelho, Nelson Ayres, Zeca Assumpção, Josyara, Uxia, Livia Mattos, Joana Queiroz, Marcelo Freitas, Paulinho Viveiro, Orquestra Jovem Tom Jobim
Shows de lançamento: Sesc Pinheiros, SP – Ingressos à venda em todas as unidades do Sesc.
*12 de outubro – Sábado – 18h – Participação da Orquestra Jovem Tom Jobim
*13 de outubro – Domingo – 18h – Participação da Orquestra Jovem Tom Jobim e Zeca Baleiro