
No Brasil, há uma má vontade institucionalizada com os talentos múltiplos. Por exemplo, se é uma excelente cantora, não pode ser uma excelente atriz. Se é um excelente pintor, não pode ser um excelente escritor etc etc. Vale o vice-versa. A questão é que, no caso do Chico Buarque de Holanda, além de excelente compositor, poeta e dramaturgo, ele também está entre os melhores escritores brasileiros contemporâneos. Suas obras são reconhecidas nacional e internacionalmente, já tendo sido, inclusive, objetos de estudo de várias dissertações e teses.
Sua estreia na literatura dá-/ se com Fazenda Modelo – Novela Pecuária, em 1974, seguida da historinha Chapeuzinho Amarelo (1980), uma releitura do clássico Chapeuzinho Vermelho.
A partir de 1991, com o romance Estorvo, ele envereda pelas questões do homem contemporâneo em busca de sua identidade. É o herói problemático de que fala Lukács que se repete em Bejamim, romance publicado em 1995.
Em 2003 é lançado Budapeste, um romance metalinguístico que conta a história de um ghost writer. Seis anos depois, vem a lume Leite derramado (2009) com a narrativa de um velho em seu leito de morte revisitando suas memórias. O irmão alemão é o último romance, publicado em 2014, alternando ficção e realidade na narrativa de uma busca por um irmão ilegítimo cuja existência é conhecida a partir da morte do pai.
Foi pelo conjunto da obra que Chico Buarque recebeu, em Portugal, o Prêmio Camões 2019, um reconhecimento não apenas à sua genialidade como escritor, mas à multiplicidade do seu talento e à grandeza do seu caráter que muitos brasileiros teimam absurdamente em negar.
(Aíla Sampaio)